As empresas do futuro devem deixar de focar apenas no lucro,
e trabalhar por valores como amor, respeito e confiança. Nos tempos de crise,
melhor do que colocar funcionários na rua é tratá-los como parte da família.
Essas são apenas algumas das bases de um movimento chamado Capitalismo
Consciente, do qual o principal militante é o indiano Raj Sisodia, consultor e
professor de negócios do instituto Babson College (Massachusetts, Estados Unidos).
O discurso “paz e amor” tem convencido empreendedores ao
redor do mundo, inclusive no Brasil. Algumas das empresas brasileiras que
aderiram são Natura, Embraer, Porto Seguro, Okena e a cooperativa de catadores
YouGreen, dentre outras. Lá fora, a filosofia já ganhou Whole Foods Market,
Starbucks e Google, para citar algumas.
Numa entrevista ao sítio Exame.com, Raj Sisodia sinalizou que “fomos
levados a acreditar que os negócios são apenas sobre fazer dinheiro. Na
verdade, assim como os seres humanos, as empresas podem ter um propósito maior”.
A seguir os principais trechos da entrevista:
- O que é capitalismo consciente?
- O capitalismo consciente é um jeito de pensar
sobre negócios, é uma filosofia diferente daquela que se tornou comum, de que
os negócios existem apenas para gerar dinheiro para os acionistas.
Na verdade os negócios são muito mais do que isso. O
dinheiro para os acionistas é um tipo de valor para uma das partes
interessadas. Mas os negócios impactam outras tantas pessoas: clientes,
funcionários, fornecedores, comunidades e os próprios acionistas. O papel real
das empresas deve ser criar valor para todos eles, e não simplesmente usá-los
para gerar dinheiro para os acionistas.
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Raj Sisodia |
– Uma empresa não existe apenas para fazer dinheiro?
- Nós fomos levados a acreditar que os negócios são apenas
sobre fazer dinheiro. Na verdade, os negócios, assim como os seres humanos,
podem ter um propósito maior. Nas empresas conscientes, há uma cultura baseada
no respeito, no amor, na confiança.
Na maioria dos negócios há muito medo e muito estresse. As
pessoas têm medo de perder seus empregos. É por isso que, na maioria das
empresas, as pessoas não estão animadas em trabalhar, o engajamento dos
funcionários é muito baixo, os níveis de estresse são muito altos e com isso
aparecem muitas doenças. Mas não precisa ser assim. Nós podemos ter um trabalho
que as pessoas gostem, e no qual as pessoas se importem com as outras. Esse é
um jeito de pensar no negócio em que todo mundo vence.
– Quais as vantagens competitivas de uma empresa consciente?
- As empresas conscientes têm muitas vantagens competitivas.
Em primeiro lugar, elas têm uma força de trabalho muito mais inspirada,
criativa e engajada. Enquanto as empresas comuns têm um engajamento de 25%,
essas empresas têm de 78% a 90% das pessoas realmente dedicadas ao trabalho.
Então elas conseguem mais produtividade e mais inovação de seu pessoal.
Ao mesmo tempo, elas têm uma baixa rotatividade. Em segundo
lugar, essas companhias têm clientes muito leais e dedicados, que são realmente
apaixonados pelo negócio. Então essas empresas também não precisam gastar muito
dinheiro com marketing. Além disso, elas atraem os melhores fornecedores.
Outras empresas vão tentar usar o seu poder para apertar o fornecedor, para
conseguir o preço mais baixo possível, e pagá-lo depois do maior tempo
possível. Já as empresas conscientes tratam bem os fornecedores.
- Como essas ideias podem ser aplicadas para pequenas e
médias empresas?
- Qualquer empresa pode ter um propósito maior. Todo negócio
tem sempre pessoas, e você pode pensar no seu pessoal como o seu propósito.
Como? Criando uma boa vida para essas pessoas, medindo seu sucesso pelo tanto
que você melhora a vida delas. Muitos dos que vêm às nossas conferências são
empreendedores que têm pequenos negócios. São pessoas que não começam um
negócio apenas para ganhar dinheiro, elas querem fazer a diferença.
- Na sua opinião, o que significa ser um empreendedor?
- Basicamente, o empreendedor tem o sonho de fazer o mundo
um lugar melhor, através do produto ou serviço que oferece. Se ele estiver
certo, aquilo vai criar valor para o cliente e também oportunidades para as
pessoas trabalharem. São pessoas que tomam riscos pessoais enormes, investem
todo o seu dinheiro, o seu tempo, em boa parte dos casos não recebem nenhum
pagamento.
Se nós não tivéssemos pessoas tomando esses riscos, não
evoluiríamos como seres humanos. Em que mundo nós viveríamos sem o
empreendedorismo de pessoas como Thomas Edison, os irmãos Wright, e todos os
outros que foram pioneiros em indústrias totalmente novas? Na maioria dos
casos, os empresários são criticados, são tratados como trapaceiros,
gananciosos, egoístas. Mas os empreendedores são heróis do nosso mundo, e tem
sido assim nos últimos séculos. Nós precisamos reconhecê-los e celebrá-los.
- O Brasil passa por um período de crise econômica. Como um
negócio consciente sobrevive na crise?
- É nesses momentos difíceis que o caráter da empresa é
revelado. Nos tempos de crescimento, qualquer empresa pode tratar bem as
pessoas. Os negócios conscientes têm uma cultura forte, têm a confiança dos
funcionários, dos clientes e dos fornecedores. É quase como uma família. Quando
chegam os tempos difíceis, o que uma família faz? Todos sacrificam algo e se
unem para sobreviver.
Na crise de 2008 e 2009 nos Estados Unidos, a maior parte
das empresas conscientes não teve demissões massivas. Uma dessas empresas, em
vez de demitir 20% do pessoal, pediu para todos tirarem um período de férias
não remuneradas, para que a empresa pudesse economizar algum dinheiro. Com
isso, todos tiveram um sentimento de sacrifício compartilhado. Se todos têm que
fazer um sacrifício, as pessoas não se importam em se sacrificar também. O
problema é quando um tem que sacrificar tudo, enquanto o outro não sacrifica
nada.
- Como uma atitude como esta ajuda a empresa a superar a
crise?
- As crises não duram para sempre. Então, quando esse
período difícil acaba, a empresa está numa posição muito mais forte. As outras
empresas, que demitiram 25% dos seus empregados, agora estão desesperadas
tentando contratar de novo, não conseguem dar conta dos pedidos dos seus
clientes porque não têm pessoal. Nas companhias conscientes, os funcionários já
estão todos em seus lugares, então elas acabam ganhando uma fatia do mercado.
Essas empresas pegaram algo negativo e transformaram em positivo.
- Como o capitalismo consciente pode ser aplicado em países
em desenvolvimento como Brasil ou Índia?
- Esse conceito é essencial para os países em
desenvolvimento. Por duas razões: a primeira é que muitos desses lugares estão
adotando as ideias do capitalismo de livre mercado. Mas, em muitos casos, ainda
adotam o velho capitalismo, e por isso estão destinados a cometer os mesmos
erros do capitalismo de estilo americano, centrado no investidor, que tem uma
série de efeitos negativos. A vantagem que temos em países em desenvolvimento é
que podemos tirar vantagem dos erros dos outros, do que já foi aprendido. Esses
países precisam aproveitar essa oportunidade.
A segunda coisa é que o impacto dos negócios na vida das
pessoas é ainda maior nesses países. Porque nos países em desenvolvimento você
não tem uma rede de seguridade social, não tem um governo rico que provém um
nível básico de saúde e educação, as pessoas estão muito próximas do limite, e
por isso o impacto de uma empresa na vida delas é ainda maior.
- O economista Thomas Piketty, autor de “O capital no século
21”, ficou conhecido por discutir o capitalismo atual, e não é tão otimista.
Segundo ele, o capitalismo possui uma tendência à concentração de renda e ao
aumento da desigualdade. O que acha disso?
- Se você tem uma
mentalidade de maximização dos lucros, se você acha que é disso que se trata o seu
negócio, então isso pode resultar em usar as pessoas, pagar a elas o mínimo
possível e tirar todo o valor que elas criam para você. Acho que o capitalismo
tradicional tem esse perigo. Mas a resposta para isso não é o socialismo, é o
capitalismo consciente. Porque o socialismo não funciona. Se você tem apenas a
igualdade como objetivo, todos serão igualmente miseráveis. A liberdade tem que
ser um valor maior.
– Qual a resposta do capitalismo consciente para esse
problema?
– As empresas conscientes pagam bem os seus funcionários, e
tendem a ter uma diferença menor entre os que ganham mais e os que ganham
menos. Nos Estados Unidos, a maioria das empresas tem uma diferença salarial de
375 para 1. Nas empresas conscientes, essa diferença é de 20 para 1. Elas pagam
mais para as pessoas da base, e pagam menos para as pessoas no topo. Acredito
que Piketty diagnosticou o problema, mas não gosto do tratamento que ele
sugere.
- O senhor nasceu na Índia, um país em que a espiritualidade
está mais presente no cotidiano das pessoas do que na maior parte do ocidente.
O que o capitalismo consciente tem a ver com espiritualidade?
- Há milhares de anos, já existiam mestres na Índia que
pensaram profundamente sobre muitas dessas questões. Sobre trabalho, liderança,
esse tipo de coisa. E isso é uma coisa que eu, mesmo sendo da Índia, não sabia.
Fui educado num sistema educacional católico, e meus pais não falavam sobre a
sabedoria indiana em casa...
...Mas, em 2007, quando escrevi “Empresas Humanizadas”, eu fui
até a Índia e mostrei o livro para um professor que conheci na escola de
negócios. Ele leu e disse: "Tudo o que você escreve já foi escrito há 4 mil
anos, está tudo no Bhagavad Gita (livro religioso hindu)". E foi então que eu
comecei a ler mais sobre sabedorias antigas, não só indianas, mas também o
judaísmo, a tradição sufi, o budismo...
... Nós precisamos misturar o melhor da eficiência e da
modernidade que o capitalismo tem, especialmente no ocidente, com a sabedoria
antiga do oriente, que fala sobre significado, propósito, bem-estar espiritual
e emocional, que fala sobre viver em harmonia com a natureza e pensar nas
próximas gerações.q
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