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Karl Marx e Jesus Cristo. |
*Por Jonathan Rowson
Hoje, o sentimento popular predominante é de irrefletida
confusão espiritual. Os noticiários modernos estão inundados de referências
religiosas, mas o comentário sobre perspectivas, experiências e práticas
espirituais mais amplas, é no geral relativamente subdesenvolvido.
O Papa, por exemplo, quando faz seus apelos para uma ação
mais efetiva com relação às alterações climáticas, consegue atingir bem mais
além dos fiéis católicos. Mas onde está a linguagem do medo, culpa, esperança e
ameaça existencial que está subjacente à preocupação climática? Nossos bispos
apelam para uma maior imaginação política para conectar nossa vida interior com
aquela exterior.
Mas além das esperanças oblíquas de pensadores como Russell
Brand com vistas a uma revolução no âmbito da alma, onde estão as formas e
modelos de vida sugeridos que vão além da doutrina religiosa? E nós, com razão,
perguntamos em que sentido o Estado Islâmico é islâmico, já que ele não parece
Estado e nem islâmico. Mas podemos dar uma resposta adequada a seus atos
bárbaros de violência sem uma discussão mais aberta e honesta sobre os aspectos
mais sombrios da nossa própria natureza?
Fora das grandes instituições religiosas, que já não falam
mais em nome da maioria das pessoas, nós não parecemos estar equipados para
explorar toda a profundidade e amplitude da experiência humana. Estamos
espiritualmente confusos, no sentido de que temos de lutar muito para pensar e
conseguir falar coerentemente de coisas que são profundamente mais importantes
para nós como, por exemplo, quem e o que amamos, o que nos dá orgulho ou
sofrimento, e o fato de que fatalmente iremos morrer.
Achar que tais questões
fundamentais relativas à vida são privadas, pessoais e localizadas, é
precisamente o problema. Insistir nas motivações e nos valores expressos
através de tais experiências e reflexões pode ser central em qualquer tentativa
séria de re-orientar a sociedade. O ator Michael Sheen não está sozinho ao
considerar que o alarido político que agora nos é oferecido como sendo política
grande e verdadeira, é, na verdade “um pântano gelatinoso e monótono de
neutralidade”.
Revitalizacão da espiritualidade
A RSA 21st Century Enlightment, uma
organização que geralmente se concentra em tópicos mais convencionais de
política pública, como empreendimento, educação e crescimento das cidades,
reconheceu este desafio em um novo relatório chamado Spiritualise. O relatório
foca nas formas de revitalizar nossa compreensão e apreciação da
espiritualidade para enriquecer o debate político do século 21, resistindo aos apelos para a espiritualidade ser vista como um novo martelo em uma velha caixa
de ferramentas, para acertar pregos estabelecidos na cabeça. Aqueles que são
demasiadamente apressados para perguntar o que é exatamente a espiritualidade ,
e como exatamente ela vai ajudar a criar um novo conceito político e novas
agendas políticas estão, de fato, perpetuando o problema e perdendo o foco.
A contínua negligência do espiritual na sociedade moderna
não é benigna, pois ela serve para reprimir e estigmatizar recursos
intelectuais que não são redutíveis a objetivos claros, definições precisas e
medidas repetíveis. Reavaliar o espiritual significa precisamente desafiar a
hegemonia do pensamento tecnocrático, e fazer o debate público menos
instrumental em sua natureza. Uma vez que você percebe que questões de
significado, o sagrado e a transcendência não são domínio exclusivo da
religião, torna-se óbvio que eles devem representar uma parte maior da vida
política.
Em seu texto clássico, Auto-Despertado (Self Awakened), o
conceituado filósofo político Roberto Unger coloca as coisas dessa forma:
"Se o espírito é um nome para as faculdades resistentes e transcendentes
do agente, podemos espiritualizar a sociedade. Podemos diminuir a distância
entre o que somos e o que nós encontramos fora de nós mesmos”.
A necessidade de diminuir a distância entre o que somos e o
que nós encontramos fora de nós mesmos é um dos grandes desafios do momento
atual que mostra porque vale a pena lutar pelo espiritual. Tanto o termo “espiritual” como sendo algo
que possui profunda relevância política,
quanto a metáfora de lutar, de reconhecer o espiritual, não são questões
fáceis ou escapistas, mas sim pontos críticos importantes sobre os quais o
trabalho humano deve ser aplicado.
De acordo com uma sondagem de 2013 pela organização Theos,
59 por cento dos adultos britânicos acreditam em "algum tipo de ser
espiritual ou essência" e quase um quarto dos ateus "acredita em uma
alma humana", mas tais valores apenas aumentam a sensação de confusão
espiritual. É como se as linguagens disponíveis tivessem se tornado muito saturadas
para transmitir um significado. Em parte, isso acontece porque as ferramentas
de pesquisa construídas para medir e interessar a mídia são demasiado toscas
para capturar as complexidades da experiência humana.
Um problema mais profundo é que a nossa noção de senso comum
sobre crença como conhecimento diluído ou incompleto não capta o sentido mais
rico da crença como identificação de grupo, práticas compartilhadas e afinidade
por convivência. Crenças sobre valores e significados e a realidade verdadeira
não são formadas ou mantidas da mesma forma como as nossas crenças sobre fatos
básicos; em vez disso elas surgem de forma sutil e inconsciente a partir da
osmose social e cultural.
A espiritualidade permanece ambígua
Aqueles que dizem que
espiritualidade nada tem a ver com "crença" estão, portanto, apenas
meio corretos, mas a espiritualidade permanece ambígua inclusive por uma boa
razão. Não é um conceito unitário, mas uma placa de sinalização para uma gama
de critérios; nossa busca por sentido, nosso senso do sagrado, o valor da
compaixão, a experiência da transcendência, a fome por transformação.
Tais critérios são essencialmente humanos ao invés de
meramente religiosos, e são buscados tanto no mundo urbanizado hiper-conectado
e em constante movimento como em uma tranquila igreja de aldeia. Por exemplo,
quando você considera a onipresença das armas de distração em
massa, incluindo anúncios e smartphones, sendo treinados para se "reconectar com a respiração através de profunda meditação", pode perceber que isso não está aí para a gente alcançar nossa paz individual. Na verdade, trata-se do ensaio de uma guerra mais ampla para o controle da nossa
atenção.
Considerado superficialmente, beber álcool é para relaxar, mas, fundamentalmente é para escapar do eu e sua incessante vibração interna. Torcer
para equipes de futebol é, superficialmente, uma forma de entretenimento, mas, no fundamental, atende a
uma profunda necessidade de solidariedade e de ritual. E quais são esses
momentos que nós, em silêncio, ansiamos
viver, se não pedaços da transcendência?
A necessidade espiritual e de expressão é perene, mas se
manifesta de acordo com o contexto histórico e cultural, e esse contexto é
curiosamente cobrado no momento presente. Como investigador principal deste
projeto de dois anos da RSA, notei que a simples menção da palavra
espiritualidade provoca reações curiosas que podem ser lidas nas
expressões faciais das pessoas, dividindo-as em três grupos principais:
1. Espirituais de mercado (Spiritual Swingers):
São animados, arregalam os olhos, mas às vezes eles olham para você como quem
quer e precisa de alguma ajuda. Gostam de meditação e massagens, de misticismo
em ashrams e mosteiros, adoram o luar e
as técnicas de meditação de atenção plena. Estão dispostos a experimentar
qualquer coisa, contanto que seja "espiritual", e de preferência não
muito "religiosa".
2. Diplomatas religiosos: Olham para você
calorosamente mas um tanto intrigados, porque eles não conseguem descobrir qual
é a sua verdadeira motivação. Será você, no fundo, um deles? Ou você secretamente
deseja substituir os métodos estabelecidos que eles já conhecem por algo
sedicioso e não plenamente confiável?
3. Assassinos intelectuais: Apenas olham para
você o mais educadamente possível. Seu olhar de desconforto chega a beira do
desdém e são os mais rápidos a pedir a você uma definição do que é o espiritual, mas
geralmente com o expresso propósito de desprezá-lo.
O desafio, no momento presente, é revitalizar o espiritual
de uma forma sensata e inclusiva; madura o suficiente para manter diplomatas
religiosos a bordo, sofisticada o suficiente para manter assassinos
intelectuais apaziguados, e politicamente relevante para os desafios modernos
relacionados a problemas "maiores do que eu" como o terrorismo ou as
alterações climáticas.
No movimento Spiritualize nós nos concentramos no amor;
na nossa necessidade de pertencer a algo que vá além de nós mesmos; na morte;
na nossa intermitente consciência de simplesmente estarmos vivos; no Self (o Eu
impessoal ou superior); no nosso caminho de individuação espiritual através da
auto-integração e da auto-transcendência; na alma; no nosso senso de integridade e transcendência,
experimentado através do belo e do sublime.
O triste é que, na concepção generalizada que temos hoje de
religião, temos terceirizado esses recursos sociais, culturais e psicológicos
para uma agenda cripto-consumista elaborada em projetos de identidade casuais
destinados exclusivamente aos "spiritual swingers". O que poucos
percebem, no entanto, é que não foi esse tipo de espiritualidade comercializada
que roubou a religião, mas que, enquanto a religião estava olhando para o outro
lado, o consumismo roubou a espiritualidade.
Através de secularização gradual ocorrida nos séculos 18, 19
e início do 20, a sociedade removeu a religião da nossa economia política para
tentar limitar o abuso de poder fora de controle democrático. Com razão, mas
este processo causou alguns danos colaterais para a linguagem do valor
intrínseco. Uma implicação, destacada pelo professor da Harvard Michael Sandel,
é que lenta mas seguramente uma sociedade com mercado se tornou uma sociedade
de mercado.
Re-conceber o espiritual tem a ver com tentar lidar com essa perda
corrosiva da perspectiva, além de fornecer perspectivas mais profundas sobre
como estimular a convicção necessária para lidar com problemas como as
alterações climáticas e a desigualdade da riqueza global que estão claramente
fora do alcance de qualquer cálculo tecnocrático.
Um exemplo deste tipo de linguagem política ficou evidente
no BBC Question Time logo após o referendo da independência da Escócia. Uma
das principais defensoras do Sim (à independência), a jornalista Lesley Riddoch foi questionada
se era hora de aceitar o resultado final -onde a maioria optou pelo Não- e estabelecer um limite sob a questão
constitucional. Ela reconheceu o resultado, mas o qualificou com uma observação
que foi muito mais profunda: "O nível de ativismo, comprometimento,
imaginação, amizade, camaradagem... Foi o melhor ano da minha vida; do ponto de
vista da humanidade e otimismo que foi gerado. Se você foi parte disso... É tão
precioso, é tão incomum, que você realmente sente que você não quer ver isso ir
embora”, disse Riddoch.
Em uma sociedade que tem sido chamado de cristã, pós cristã,
multi-fé, espiritualmente pluralista, secular, pós-secular e pós-religiosa,
precisamos de uma discussão pública muito melhor sobre a espiritualidade que
partilhamos. É hora de reorientar essa discussão longe daquilo que nunca
poderemos realmente saber sobre o nosso lugar no universo, em direção ao que
podemos saber, e vivenciar, sobre nós mesmos. q
|| Via Revista Prospect
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