O
amor é a única força capaz
de transformar um inimigo em amigo.
-Martin Luther King-
Orlando Ordoñez e Néstor Orlando Garzón já foram inimigos na
guerra civil da Colômbia. Hoje, o ex-guerrilheiro das Farc (Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia) e o ex-militar colombiano são compadres e também sócios
em um negócio. Eles contratam desmobilizados das diferentes guerrilhas do país,
ex-paramilitares, vítimas e civis. Todos trabalham juntos na Remapaz (Recuperação
do Meio Ambiente pela Paz), que recicla pneus usados, transformando-os em
mobília, objetos de decoração e até em brinquedos.
A amizade inusitada começou com um cartão de visita entregue
em 2005. Ordoñez e Garzón contam como foi o
encontro no aeroporto de Medellín, em uma missão de inteligência do Exército
colombiano, mudou a vida dos dois.
"Parte do meu trabalho como militar era abordar pessoas
da guerrilha. Entreguei o meu cartão a ele e pedi que me ligasse para
conversarmos. Mas ele só me ligou um tempo depois", disse Garzón, hoje
militar aposentado do Exército colombiano e padrinho do filho de Ordoñez.
"Eu era um militante ativo das Farc, e aquele cartão
que ele me deu no aeroporto despertou a minha curiosidade. Acabei telefonando,
perguntando o que ele queria comigo. Nos encontramos em Bogotá, onde ele tentou
me convencer a me desmobilizar antes de ser capturado", contou o
ex-guerrilheiro. "A conversa com ele, naquela época, me fez pensar."
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Jogo de jardim fabricado na Remapaz. |
Quando decidiu abandonar a guerrilha depois de 15 anos nas
Farc, Ordoñez telefonou para Garzón pedindo ajuda para se entregar. A decisão
foi tomada meses depois do encontro no aeroporto, quando decidiu que não
participaria de atos violentos, como os sequestros promovidos pelas Farc.
"Estava muito desconfiado, preocupado e assustado. E
ele me acompanhou no processo até as autoridades", disse o
ex-guerrilheiro. Ordoñez foi investigado pela Procuradoria e integrado ao
programa governamental para desmobilização. "O que eu havia feito de
ilegal era o porte de armas e o uso de uniformes privativos das forças
militares colombianas", contou Ordoñez, que nega ter participado de
sequestros e assassinatos.
A Remapaz não é a primeira empreitada dos amigos nos
negócios. O primeiro empreendimento do ex-guerrilheiro e do ex-militar, assim
que Garzón se aposentou, depois de mais de 20 anos de serviço, foi um campo de
paintball --agora as armas tinham tintas. A empreitada durou dois anos.
"Nos demos conta de que poderíamos fazer algo
significativo para o país e mostrar que a reconciliação era possível, eu
mostraria da parte ilegal, e ele, da legal", diz Ordoñez.
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Trator de brinquedo feito com pneus. |
A dupla manteve a amizade, mas cada um foi para um lado: o
ex-guerrilheiro acabou trabalhando como caminhoneiro de uma petrolífera, e o
ex-militar em uma empresa privada de inteligência militar.
Trabalhando com o caminhão, Ordoñez se deu conta de que não
havia um destino certo para os pneus usados --iam parar em canteiros, descartados
sem qualquer cuidado com o meio ambiente e levam 600 anos para se decompor. E
daí surgiu a ideia de reaproveitar o material, apesar das críticas de parentes
e amigos, que achavam a aposta no negócio uma loucura.
A Remapaz foi criada pela dupla no fim de 2014, e já
empregou ex-militantes das Farc, das AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia,
paramilitar), vítimas que perderam familiares no conflito armado, pessoas que
foram expulsas de suas terras por guerrilheiros ou paramilitares e até mesmo
civis sem qualquer relação direta com o conflito, que durou 50 anos no país e
agora encontra-se em processo de finalização após o acordo de paz firmado entre
a guerrilha e o governo.
"Esta é uma grande experiência porque temos todos os
lados do conflito em um mesmo lugar. Damos oportunidades a eles de trocarem
conhecimento e criarem laços de amizade e principalmente de
reconciliação", diz o ex-militar.
Hoje a empresa, que foi criada com o apoio da agência
governamental de reintegração e instalada na cidade colombiana de Acacías, tem
quatro funcionários: um desmobilizado da guerrilha, uma desmobilizada, uma
deslocada pelo conflito e um civil. Todos os dias, todos conversam pelo menos
por cinco minutos antes de começarem a trabalhar --nunca sobre o passado,
sempre sobre o presente e o futuro, contam o ex-guerrilheiro e o ex-militar,
que conduzem as conversas.
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Trabalho artesanal e criativo faz mágica com pneus usados. |
A equipe já foi maior, mas precisou ser reduzida neste ano
com a queda das vendas, provocada pela crise econômica. Eles produzem mesas e
cadeiras para jardins, objetos decorativos e até mesmo brinquedos com os pneus.
E depois que uma TV local fez uma reportagem sobre a parceria da dupla, as
vendas aumentaram.
Os sócios garantem que nunca tiveram problemas com nenhum
cliente. "Não tivemos nenhum tipo de rechaço ou preconceito porque somos
desmobilizados e um ex-militar. Todos nos dão as mãos, nos parabenizam pelo que
estamos fazendo pela paz e pelo meio ambiente", diz Ordoñez.q
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